quarta-feira, 23 de julho de 2014

'Experiência única', diz brasileiro que passou férias no Afeganistão


Ele estuda mandarim na China e foi convidado por colegas afegãos.
Casas têm andar só para mulheres; shoppings revistam clientes na entrada.


Bruno com o guarda-costas que contratou para acompanhá-lo na viagem, por sugestão da Embaixada brasileira (Foto: Bruno Pinheiro/Arquivo pessoal)

O voo que levou o estudante de medicina Bruno Pinheiro para sua viagem de férias neste ano estava com menos de metade dos assentos ocupados. Além dele, só havia uma estrangeira na aeronave. É que poucas pessoas escolhem fazer turismo em um destino tão incomum: oAfeganistão.
Bruno em uma região montanhosa nos arredores de
Cabul; a área tem o clima mais ameno do que o da
cidade e é destino de passeio para famílias
(Foto: Bruno Pinheiro/Arquivo pessoal)

Natural de Belo Horizonte, o brasileiro de 25 anos mora há um ano na China, onde faz curso de mandarim. Ele ficou na capital afegã, Cabul, do dia 11 ao dia 22 deste mês. A decisão de conhecer aquele país veio após ele fazer amizade com afegãos em sua aula de mandarim. “Eles são tão gente boa e me tratam tão bem que pensei: um país com um povo tão bacana não pode ser tudo de ruim que as pessoas falam”, conta.

Neste ano, um desses amigos convidou Bruno para passar as férias de verão em sua casa, em Cabul. Inicialmente, os parentes e amigos do brasileiro ficaram assustados com a ideia. “Eles diziam: ‘Afeganistão? O que você está indo fazer lá?’ O país já carrega um nome pesado, que a gente associa a guerra, confusão, falta de segurança”, diz o estudante.

Mas, após pesquisar e consultar a Embaixada do Brasil em Pequim, ele aceitou: “Seria uma experiência única. Não é todo dia que a gente viaja para o Afeganistão.”

A ideia inicial era passar quatro dias em Cabul e depois ir para o interior conhecer outras regiões do país, mas ele desistiu de sair da capital após receber recomendações de que não se afastasse de lá. “É período de eleições, a situação está mais delicada. Não ouvi falar de nenhum ataque muito forte esses dias, mas por precaução, os próprios locais disseram que eu não fosse. Vai ter que ficar para a próxima”, diz.
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Por conta disso, ele acabou conhecendo Cabul mais a fundo. Esteve no zoológico e visitou algumas mesquitas e shoppings -- mas a maior parte do tempo viveu o dia a dia dos moradores. “É uma cidade muito antiga, tem muita coisa destruída. Ele estão tentando construir prédios maiores, estão tentando se adaptar para oferecer mais atrações. Mas para mim, o charme é a simplicidade que eles oferecem. Lá não importa se a pessoa tem dinheiro ou não, sempre vai fazer questão que você entre casa dela, tome um chá”, diz ele, elogiando a gentileza e a hospitalidade do povo afegão.

Sem contato com as mulheres

Mulheres em Cabul (Foto: Nicolas Asfouri/AFP)

Devido aos costumes islâmicos no país, Bruno só teve contato com homens, mesmo na casa onde estava hospedado, onde há ao menos 16 mulheres: as 14 irmãs de seu amigo e suas duas mães – a biológica e a outra esposa de seu pai (a poligamia é permitida aos homens). O amigo de Bruno também tem 12 irmãos do sexo masculino.
As casas são estruturadas para que homens e mulheres tenham vidas independentes. Há um andar só para mulheres, onde elas dormem, circulam e comem, e outro só para os homens.

O brasileiro conta que as residências são estruturadas para que homens e mulheres tenham vidas totalmente independentes. Há um andar só para as mulheres, onde elas dormem, circulam e comem e onde só trabalham empregadas do sexo feminino. Da mesma forma, no andar masculino, só há moradores e funcionários homens.

Bruno via as mulheres passando na rua, mas elas andam com o corpo e o rosto coberto pelas vestes típicas locais e não podem conversar com desconhecidos. Os homens também têm vestimentas próprias: uma calça com uma bata longa, de cores variadas. O brasileiro diz que não viu nenhum outro turista por lá.
Mesa de jantar: para Bruno, comida lembra a
brasileira (Foto: Bruno Pinheiro/Arquivo pessoal)

O idioma dificultou a comunicação com os locais – as duas línguas mais faladas por lá são pachto e dari, e poucos afegãos dominam o inglês. Bruno dependia de seu amigo para se comunicar, inclusive com o guarda-costas que ele contratou por sugestão da embaixada e que andou com ele durante toda a viagem.

Mas, assim como acontece em outros países, o fato de ele ser brasileiro facilitou o contato. “Eles têm uma visão muito positiva do Brasil e têm muito interesse em saber como é o nosso país. Além de tudo, afegão adora futebol. Eles perguntaram muito da Copa, comentaram que estavam chateados pela eliminação do Brasil por 7 a 1”, conta ele.
Eles têm uma visão muito positiva do Brasil. Além de tudo, adoram futebol. Eles perguntaram muito da Copa, comentaram que estavam chateados pela eliminação do Brasil por 7 a 1"
Bruno Pinheiro

Segundo Bruno, a comida do Afeganistão lembra um pouco a brasileira, com pratos que misturam arroz, carne e legumes. “O gosto parece com o da nossa comida. E é simplesmente uma delícia”, diz. Um pão típico acompanha todas as refeições, assim como o chá. No café da manhã, o chá vem acompanhado de pão, mel e frutas secas.

Os jantares pareciam banquetes com diversos pratos -- especialmente agora, período do Ramadã, quando os muçulmanos só podem comer após o pôr do sol. Bruno diz que seus amigos abriram exceção para ele, que era o único que podia tomar café e almoçar. “Eles pediam que eu comesse dentro do quarto ou em algum lugar onde ninguém pudesse me ver, em respeito aos demais que estavam de jejum”, conta.

Segurança rígida

Bruno com seus dois amigos afegãos; o brasileiro os conheceu na aula de mandarim e foi passar férias no país deles (Foto: Bruno Pinheiro/Arquivo pessoal)

Mas Bruno diz que o que o deixou mais surpreso foi se sentir seguro andando por lá: “Não tinha essa sensação tão grande de insegurança. Andava tranquilo.”

Segundo o estudante, todo local com aglomeração de pessoas em Cabul tem um forte sistema de segurança. Em shoppings, por exemplo, os clientes passam por uma revista semelhante à que acontece em aeroportos. “Nos três hotéis maiores que vi na cidade, você não consegue nem enxergar lá dentro, de tão cercados que são. Apesar de não estarem ocorrendo tantos atentados agora, eles têm bastante cautela”, diz.
Todo lugar com aglomeração de pessoas em Cabul tem um forte sistema de segurança. Nos shoppings, os clientes passam por uma revista semelhante à que acontece em aeroportos

Bruno agora está na Turquia, onde deve continuar o passeio de férias. Para ele, se algum turista ocidental quiser ir para o Afeganistão sem conhecer ninguém no país, deve planejar muito. “Tem que analisar a rota, acompanhar a situação de segurança no momento. Mas tem agências especializadas em receber os turistas de fora, em guiá-los. Tudo que é planejado é viável”, afirma.

O brasileiro gostou tanto do Afeganistão que pretende ler mais sobre a cultura e a história do país e quer voltar um dia, para ir às cidade do interior que não pôde conhecer. Ele também quer visitar a Coreia do Norte. “Tenho vontade de conhecer esses lugares muito diferentes. O mundo é grande.”
Flávia Mantovani Do G1, em São Paulo

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