segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A cidade que leva esperança no nome renova fé no voto

Apesar de sofrer com a seca e enfrentar escândalo na política local, moradores do município paraibano reafirmam crença de que é pelo processo democrático que se ajuda a construir um País melhor

No coração da Paraíba, na comunidade de Riacho Fundo, refugiam-se as mãos mágicas de Socorro da Conceição. Aos 60 anos, essa moradora de Esperança só sai de casa para cuidar da horta, das ovelhas e da irmã doente. No entanto, as bonecas de pano coloridas que aprendeu a fazer aos 7 anos cruzaram oceanos.
Socorro é um símbolo de esperança - o sentimento do homem que sonha acordado, segundo Aristóteles - porque atesta a capacidade de alguém desenvolver um talento e, a partir dele, superar adversidades. Ao mesmo tempo, expõe o risco de que o descaso e a inoperância do poder público engessem talentos ou enterrem oportunidades. O acaso (leia abaixo) permitiu que Socorro também se transformasse num símbolo de Esperança: sua arte projetou a cidade para o mundo.
O Estado viajou 2.800 km até Esperança, no agreste paraibano, a fim de conhecer o lugar onde o sentimento que move brasileiros consta da certidão de nascimento. A ideia era verificar se, apesar de tantos escândalos e malfeitos dos políticos, as eleições - a presidencial, em particular - ainda renovam a esperança de um País melhor.
Na era dos laptops e smartphones, a população se concentrou na praça principal da cidade, com seus rádios de pilha, para aguardar o resultado do segundo turno. "Mais dois votos, ganhamos mais dois", reportava João Paulo da Silva, ajustando a antena e com o aparelho colado ao ouvido, torcendo freneticamente por Ricardo Coutinho (PSB), que acabou eleito governador da Paraíba.
Ele compartilhava as notícias com o patrão, Emiliano Santos, dono do bar que leva seu nome e que, aos 36 anos, não troca Esperança por nenhuma metrópole. "Não saí daqui nos dias de sufoco, não vai ser agora que está bom." Silva espera que a presidente e o governador eleitos reforcem a segurança da cidade, para "acabar com a droga e a bandidagem". Nem a pacata Esperança escapou da epidemia de crack - bandeira dos presidenciáveis que chegaram ao segundo turno - e da violência que afligem grandes centros urbanos.
Opinião. Abordado pela reportagem ao sair da seção eleitoral, Edvando de Souza, de 38 anos, representante comercial, há seis anos filiado ao PT, revela que votou em José Serra (PSDB) porque ele foi "o melhor ministro da Saúde", setor que teria sido abandonado pelo governo Lula.
O presidente do diretório municipal do PT, que estava ao lado, ouve a entrevista e cobra explicações. Edvando não se intimida - "Sou petista, mas tenho opinião" - e desafia o dirigente a expulsá-lo da sigla. A cena chama a atenção para o nível de politização dos esperancenses. Edvando diz que o eleitor brasileiro é "mal esclarecido", vota pela simpatia dos candidatos, e não pela capacidade administrativa. "Na Paraíba, votam em Cássio (Cunha Lima) pela beleza. Não sabem que as mudanças que queremos só dependem de nós."
Com 32 mil moradores, a cidade é a 11.ª em arrecadação de ICMS entre os 223 municípios da Paraíba. As seis empresas de médio e grande porte que se instalaram em Esperança garantem emprego à população. A maior é a Almeida Distribuidora de Materiais de Construção, que funciona há 19 anos, despontou como campeã de vendas no Norte e Nordeste, ficando em nono lugar no ranking nacional.
O sobrenome Almeida domina a região: da estrada, vê-se o nome no luminoso do posto de gasolina na entrada da cidade, outra rede de negócios da família. Pioneiros do município, os irmãos Bebel e Nobson Pedro de Almeida chegaram ao poder em 2008, quando o segundo, conhecido como Nobinho, se elegeu prefeito pelo PTB.
Mas nem a cidade batizada com uma das três virtudes cristãs (fé, esperança e caridade) - e que tem Nossa Senhora do Bom Conselho como padroeira - escapou dos escândalos de corrupção. O Ministério Público Eleitoral protocolou duas ações pedindo a cassação do prefeito por supostos desvios na campanha eleitoral.
O petebista foi acusado de mandar pintar mais de 300 casas de eleitores de amarelo, cor de sua campanha, e de distribuir mais de 200 camisetas da mesma cor, em troca de votos. Nobinho livrou-se da acusação quanto à pintura das casas, porque o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) considerou que houve apenas gastos não declarados de campanha com as tintas (que vieram da empresa do irmão). Mas ele responde pela distribuição de brindes.
Água. A falta de água aflige os moradores de Esperança, onde há dois anos não cai chuva. O sofrimento com a seca é uma ironia, porque uma das explicações para o nome da cidade remonta à fartura de água. Contam os historiadores que, no século 19, tropeiros que cruzavam a região encontraram um tanque de água potável construído pelos índios cariris, primeiros habitantes do local. O grupo, então, instalou-se com a "esperança" de que a água abundante garantiria qualidade de vida.
Nem os desmandos políticos nem as intempéries desanimam os esperancenses, que cuidam de traçar os próprios destinos - com a ajuda do Estado ou apesar dele. É o que se vê em pouco tempo de conversa com a risonha Maria Helena, de 43 anos, funcionária da prefeitura. No trabalho, ela martela as teclas de uma máquina de escrever Olivetti Linea 98 que poderia estar num museu - se a cidade tivesse um. "Essa máquina caiu da arca de Noé quando ela parou no Monte Ararat", alfineta.
Ela conta que perdeu tudo com um casamento malsucedido e recomeçou há pouco: vai se formar em Direito daqui a dois anos, numa faculdade particular de Campina Grande, e sonha ingressar no Ministério Público. "Você é responsável pela sua história. Do céu, só cai chuva, e nem sempre", ensina.

07 de novembro de 2010 | 0h 00
Andrea Jubé Vianna ENVIADA ESPECIAL / ESPERANÇA (PARAÍBA)
- O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário